Como alargar e viver o presente em tempos de pandemia?


Até poucos dias atrás mirava o calendário, alegrava-me com os feriados com o desejo de ter mais tempo em casa.
Aqui estou na véspera de mais um feriado, e por horas esqueço o dia do mês, da semana, e acreditem esqueço dos feriados.
Dias outros que a cada amanhecer peço muita saúde a todos. Agradeço por compreender a beleza de estar vivo, de escutar o som dos pássaros e som das árvores com o vento sutil que embala os dias, e lentamente sopra ao pé do ouvido a lindeza de estar bem e em casa 

(Aline Dorneles, abril de 2020).

 

Nos últimos meses há um inquietamento em viabilizar um futuro, um futuro incerto e de infinitos questionamentos, angústias e dilemas.

E, por isso escrevo, e faço reflexões desse presente vivido a cada dia. Como mulher, professora e pesquisadora encontro-me entre conflitos de estar em casa e de trabalhar em casa.

A pandemia do Covid19 desacomodou a mim e demais docentes do seu lugar de ser e fazer a profissão docente. Há o desejo de criar possibilidades para o encontro e para a conversa com nossos alunos e colegas de profissão. É presente nos últimos dias o desejo de criar caminhos de se mostrar presente, e nem cabe aqui remeter a questão do ensino e aprendizagem. É a vontade de expressar e reafirmar que nós professores estamos aqui na busca de acolher o outro.

Por isso escrevo, encontro-me no tempo presente, e nele busco fazer o melhor, e, na medida do possível, me fazer presente!  Seja ao escrever um e-mail para os alunos, somente para saber como estão. E, fico tão agradecida quando respondem, nem sempre alegres, porém com o desejo de partilharem seus pensamentos e suas angústias.

Por isso escrevo, como modo de narrar e documentar o sentimento de saudade do chegar em sala de aula, dos sorrisos e do sentimento de realizar meu trabalho docente.

Por isso escrevo, para reforçar a ética da profissão docente, do trabalho árduo, sem valorização profissional, sem salários dignos e, acreditem por anos pago parcelado, realidade triste e dura vivida por cada professor e professora do estado do RS.  

Ao escrever encontro-me com minhas reflexões teóricas permeadas pelo olhar da experiência ontológica que, enquanto experiência, dá-se antes de toda atividade reflexionante. O verdadeiro motor da reflexão é a experiência do desconhecido e do estranho. “Trata-se aqui, sempre, de algo ou de alguém que se encontra à nossa frente e, como tal, dirige-se a nós e inquieta-nos, devido única e exclusivamente ao fato de ser outro que nós mesmos” (Flickinger, 2020, p.28) O autor aponta inquietudes que nos leva a pensar a ideia de reflexão humana como uma reação ao que nos acontece no mundo.

Por isso escrevo e ao escrever acalmo meu coração aflito em pensar e vivenciar uma tragédia social e política. Pois, do vírus invisível consigo proteger-me com mascarás, luvas e álcool em gel. Mas, há um vírus visível do qual não encontro palavras que possa representar aqui a situação política do país.

Entendo que nós professores somos vozes e gritos de uma sociedade silenciada, por isso não podemos nos calar! Por isso escrevo e questiono como (re)existir e (re)inventar à docência em tempos de pandemia?

 

Professora Aline Dorneles

Universidade Federal do Rio Grande

 

 

FLICKINGER, H.G. Da experiência da arte à hermenêutica filosófica. In: ALMEIDA, C.; FLICKINGER, H.G.; RONDEN, L. Hermenêutica Filosófica: nas trilhas de Hans-Georg Gadamer. Coleção Filosofia. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2000.


Comentários

  1. Parabéns Aline por colocar a escrita em movimento. Boas reflexões com um quê de poesia.

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